Poética do Espaço (trecho)







"As verdadeiras casas da lembrança, as casas aonde os nossos sonhos nos levam, as casas ricas de um onirismo fiel, são avessas a qualquer descrição. Descrevê-las seria fazê-las visitar. Do presente, pode-se talvez dizer tudo, mas do passado! A casa primeira e oniricamente definitiva deve guardar sua penumbra. Ela surge da literatura em profundidade, isto é, da poesia, e não da literatura eloquente que tem a necessidade do romance dos outros para analisar a intimidade. (...) Mas, além das lembranças, a casa natal está fisicamente inscrita em nós. Ela é um grupo de hábitos orgânicos. (...) Mais confusas, menos delineadas, são as lembranças dos sonhos que só a meditação poética nos pode nos ajudar a encontrar. (...) É no plano do devaneio e não no plano dos fatos que a infância permanece viva em nós e poeticamente útil. Por essa infância permanente, mantemos a poesia do passado. Habitar oniricamente a casa natal é mais que habitá-la pela lembrança, é viver na casa desaparecida como nós sonhamos." Gaston Bachelard, na Poética do Espaço